As fotos desse artigo são do livro “The Wonderful World of Albert Kahn” (em português, “O Mundo Maravilhoso de Albert Kahn”), com uma coleção de cerca de 400 fotografias a cores, muitas datadas de antes de 1920.
A história de Albert Kahn é surpreendente. De acordo com a sinopse do livro, “Kahn usou sua vasta fortuna para enviar um grupo de fotógrafos intrépidos para mais de 50 países ao redor do mundo, muitas vezes em momentos cruciais da história, quando as antigas culturas estavam à beira de serem mudadas para sempre pela guerra e pela marcha da globalização do século XX”.
A coleção de Kahn, com mais de 72.000 autocromos, só ficou conhecida recentemente. Agora, graças aos compiladores da BBC, finalmente podemos apreciar e dar um pouco de cor ao que tendemos a imaginar como uma era passada em preto e branco. Confira:
1 – Caçador mongol (Mongólia, 20 de julho de 1913)
Quando a dinastia chinesa Qing entrou em colapso em 1911, seus antigos
súditos na Mongólia rapidamente declararam independência, que foi
contestada pela recém-nascida República da China, cujas forças
finalmente conseguiram reconquistar o país, enquanto outra potência
regional, a Rússia, estava distraída com a sua revolução. A posse da
China foi breve, no entanto: um renegado exército anticomunista da
Rússia logo tomou o controle do país.
Esta fotografia foi tirada dois anos após a independência da
Mongólia, e seis anos antes das invasões chinesas e russas. Só podemos
imaginar o que aconteceu com esse caçador de lobo e raposa, que parece
ter vivido em algum lugar perto da fronteira com a Rússia.
2 – Meninas curdas transportando jarros de água (Zakho, Iraque, 11 de maio de 1917)
Os curdos são um povo com uma história complicada. Sobrepondo-se as
fronteiras dos atuais países Irã, Síria, Turquia e Iraque, eles ainda
não têm um país próprio – apesar de frequentes conflitos com os governos
que governam sobre eles.
Em 1920, os vencedores aliados da Primeira Guerra Mundial prometeram
aos curdos uma pátria independente, o que não aconteceu. Mais
recentemente, alguns curdos, talvez descendentes dessas meninas na
fotografia, sofreram genocídio nas mãos do ditador iraquiano Saddam
Hussein. Se a Guerra do Iraque pudesse ser justificada, seria porque,
desde a chegada de tropas americanas e aliadas, esse genocídio diminuiu.
3 – Vítima de limpeza étnica (Monte Athos, Grécia, 10 de setembro de 1913)
Esta fotografia foi tirada logo após a Segunda Guerra Balcânica, uma
guerra entre búlgaros e seus antigos aliados da Primeira Guerra
Balcânica, Grécia e Sérvia. O homem bem vestido na foto – provavelmente
um búlgaro – foi preso por soldados gregos perto de um mosteiro em Monte
Athos. Seu destino permanece desconhecido.
A limpeza étnica era difundida na época, mas não parece ser o caso
desse jovem, que poderia muito bem ter sido um saqueador que vagava e
roubava entre estas colinas.
A Península dos Bálcãs, na borda leste da Europa civilizada, continua
sendo uma das partes mais voláteis do mundo, tendo visto vários
genocídios nos últimos vinte anos. Um bom livro para ler sobre a região é
o diário de viagem “Black Lamb and Grey Falcon”, de Rebecca West.
4 – Família argelina preparando cuscuz (Biskra, Argélia, 1909-1911)
Esta família está preparando cuscuz, um alimento básico para o povo
do norte da África, incluindo Argélia, Líbia, Tunísia e Marrocos. O
menino de gorro vermelho teria cerca de 110 anos de idade, se ainda
estivesse vivo hoje.
5 – Meninas comendo nozes de areca (Vietnã, c. 1921)
A partilha de noz de areca é uma importante tradição em muitos países
asiáticos, incluindo o Vietnã. Ela supostamente tem uma gama de
benefícios à saúde, como a prevenção da cárie dentária, apesar de uma
pesquisa recente sugerir uma correlação entre o câncer oral e o consumo
dessa noz.
Nada disso muda o valor humano desta foto, no entanto, que, ao contrário
de muitas outras fotos da época, capta um momento informal, tranquilo e
bastante bonito, vivido por essas duas moças de uma calma aldeia tantos
anos atrás.
6 – Almoço durante a guerra (Reims, França, 1 de abril de 1917)
Três anos dentro da Primeira Guerra Mundial, o exército aliado ainda
contava com mensageiros em bicicletas para passar informações para
tropas. Eles também tinham telégrafo e linhas telefônicas, mas estes
eram vulneráveis a sabotagem. Esse mensageiro, durante um momento de
descanso, desfruta de um pedaço de pão e um pote de chá.
7 – Crianças brincando (Reims, França, 1917)
Estas crianças estão brincando entre as ruínas de Reims, 129 km a
nordeste de Paris. A cidade foi severamente atingida pelo bombardeio
alemão e fogos subsequentes durante a Primeira Guerra Mundial.
8 – Rabindranath Tagore (Boulogne-Billancourt, França, junho de 1921)
Rabindranath Tagore é um indiano visto na imagem cercado pelas rosas
do jardim de Albert Kahn. Tagore, nativo de Calcutá, foi agraciado com o
Prêmio Nobel de Literatura de 1913, principalmente por suas
contribuições para a poesia.
Ele também se imaginava como um filósofo místico, mas nem todos
concordavam com essa posição. O estimado filósofo ocidental Bertrand
Russell foi a uma palestra de Tagore, e disse que “foi absoluto lixo”.
9 – A Praça dos Mortos (Marraquexe, Marrocos, 18 de junho de 1926)
Jemaa el-Fnaa, como é chamada em árabe, é ainda hoje a principal
praça de Marrakesh – uma cidade famosa por suas mesquitas de influência
espanhola, seus edifícios de arenito vermelho e sua aparência exótica. A
coisa mais impressionante sobre esta fotografia, entretanto, é o efeito
causado pela sua exposição: muitas das pessoas – como o amontoado de
devotos religiosos, o camelo camuflado, e o vendedor solitário – estão
em foco perfeito, enquanto outros – as figuras desfocadas – sugerem
movimento, o que faz parecer que a foto poderia ter sido tirada ontem.
Só que meus avós eram bebês no momento dessa imagem.
10 – Soldados feridos (Moreuil, França, 30 de julho de 1916)
Esta é uma das melhores fotos da Primeira Guerra Mundial. Apesar de
antiga e distante, ela capturou um momento em que podemos facilmente
imaginar estar naquela sala também, imaginar os soldados feridos falando
com a enfermeira, imaginar o que se passava na cabeça deles. Uma bela
imagem.
11 – Infância (Verona, Itália, 16 de maio de 1918)
Aparentemente, esta fotografia, feita na abóbada de uma igreja em
Verona, exigiu um tempo de exposição de mais de um minuto. A imagem
contempla o destino da menina, perdida em reflexão, visualizando
pensamentos que, nesse dia, pertenciam somente a ela.
12 – Cadáver de um jovem soldado (Aisne, França, pós-guerra)
Não há o que dizer sobre essa fotografia, exceto que, em alguns
momentos, é difícil para a humanidade ter que encarar seus próprios
feitos.
13 – Soldado comprando carne (Reims, França, 6 março de 1917)
Charcutaria é um açougue francês, que, antes da idade de
refrigeração, se especializava em oferecer carnes frias bem preservadas.
Esta loja em particular, em Reims, estava surpreendentemente bem
abastecida: mesmo em tempos de guerra, funcionava. Ainda que bombardeada
pela Alemanha, o comércio da vila não parou. Observe a tentativa frágil
de fazer uma barricada na janela do lado esquerdo. É notável ver como a
vida cotidiana seguiu em frente mesmo em tempos de guerra.
14 – Uma jovem e sua boneca (Reims, França, 1917)
Enquanto a menina brinca com sua boneca, rifles se apoiam contra a
parede, bem ao lado dela, conforme a Grande Guerra continua. Uma
justaposição poderosa, especialmente em uma época que era fácil se
esquecer pelo que estava lutando.
15 – Sadhus na Índia britânica (Bombaim, Índia, 17 dezembro de 1913)
Esta imagem, mais do que qualquer outra na lista, mostra
atemporalidade. Se você procurar hoje por imagens de Sadhus indianos, ou
homens santos, vai encontrar roupas, costumes e rostos semelhantes aos
dos homens nesta foto de 99 anos de idade. Esses sadhus eram
provavelmente visitantes da cidade movimentada colonial de Bombaim, que
agora é a cidade mais populosa da Índia, e se chama Mumbai – um destino
incrível para viajar até hoje, com uma rica história, cultura, comida,
entretenimento e diversidade.
16 – Prisioneiro nômade (Ourga, Mongólia, 25 de julho de 1913)
Os nômades da Mongólia desenvolveram um sistema de justiça para se
adequar ao seu estilo de vida móvel. Na imagem, um criminoso está preso a
uma corrente tão pesada que o impede de fugir correndo. Ao mesmo tempo,
ele seria capaz de uma marcha forçada (provavelmente excruciante) de
pasto para pasto, conforme fosse ordenado.
(Via: Revoada/Natasha Romanzoti)