Mostrando postagens com marcador Dilmércio Daleffe. Mostrar todas as postagens
Mostrando postagens com marcador Dilmércio Daleffe. Mostrar todas as postagens

3 de junho de 2013

Itamar Tagliari na Itribuna, por Dilmércio Daleffe

Tomo a liberdade de compartilhar ótima e correta matéria do jornalista mourãoense Dilmércio Daleffe, publicada neste domingo (2) no jornal Tribuna do Interior, que conta a dedicação e o amor que o Itamar Tagliari sempre teve e terá para com o futsal.  

Itamar trocou a vida pelo futsal
Cinquenta anos é muito tempo. É um casamento, pode ser uma idade, uma vida. Mas durante 50 anos um homem viveu um sonho em Campo Mourão. Dedicou cinco décadas ao futsal. Formou atletas, disciplinou meninos e levou o nome da cidade aos mais longínquos cantos do país. Itamar Agustinho Tagliari treinou mais de mil crianças. Ao lado delas, foi campeão por diversas vezes. Com o tempo as viu crescer e, elas, o viram envelhecer. Hoje, aos 65 anos, Itamar olha o passado e reflete toda uma vida. Colaborou com cidade e jamais ganhou dinheiro com o futsal. Pelo contrário. Junto a escolinha criada com o pai e a família, a Associação Tagliari não existiu para florear grana. Era apenas uma ideologia. Um simples sonho entre pai e filho. A ideia deu certo e os resultados logo apareceram.
Itamar Tagliari treinou mais de mil crianças
Mas o homem que viveu para o futsal parece não ter recebido as homenagens devidas. As glórias de Itamar foram esquecidas. Tudo o que fez pelo futebol de Campo Mourão parece estar sendo deixado de lado, assim como os troféus da extinta Escolinha Tagliari. Lá, numa sala empoeirada e com as tábuas do teto despregando, os “canecos” descansam por anos e anos. Foram títulos sonhados e conquistados por Itamar. Todo um trabalho ali guardado refletido pelo suor. E foi ali, naquele local onde a conversa sobre sua vida começou.

Itamar nasceu em Arapongas, ainda em 48. Anos depois veio a Campo Mourão de mudança com os pais. Aqui a família ganhava a vida comprando e vendendo porcos. Mas a herança genética da família falou mais alto. O problema é que Itachir era craque. E, assim como ele, Itamar e os demais irmãos nasceram com fome de bola. Ainda na adolescência cada um jogava num time da cidade. Na hora do almoço a briga era inevitável. Cada um defendia sua equipe. Mas cansada das discussões, a mãe implorou por um único presente: ela queria que seus filhos jogassem juntos, no mesmo time. E assim aconteceu. Os conflitos terminaram e os meninos iniciaram uma história sem precedentes.

Com a equipe formada, a Associação Tagliari iniciou em torneios adultos. Tantas foram as vitórias que passaram a defender Campo Mourão na região, no Paraná e depois no Brasil. Os meninos de pernas tortas ganharam fama, ficando conhecidos no futebol de salão. O desejo pelo futsal era tanto que a família construiu uma das primeiras quadras da cidade, ainda em 73. Numa matéria escrita na época pelo jornalista Antônio de Matos, o local foi definido como o mais moderno da região. “É que tínhamos arquibancada de madeira, lanchonete, alambrado. Isso era moderno para aquele ano”, diz Itamar. O time adulto existiu somente entre os anos de 68 a 81.
Uma das equipes treinadas por Itamar
Em 1980, numa conversa com o pai, Itamar decidiu montar uma escola de futsal. Era um projeto modesto, sem grandes objetivos, mas que buscava a formação de atletas. No início eram apenas 12 meninos. Mas com o tempo, chegaram a 300 de uma só vez. Divididos em categorias, eles somaram mais de mil ao longo da “escolinha”. Itamar acompanhava todos os passos da Associação Tagliari. Era o treinador, o chefe e o marqueteiro. Acima de tudo, era um disciplinador. Almejou a disciplina e todos os dias, antes dos treinos, falava sobre os males do cigarro, da bebida, drogas. Não esquecia de mencionar a educação. Os meninos tinham que estudar e respeitar seus pais.

Respeitado e, com os garotos na mão, os títulos foram aparecendo. Foi campeão paranaense por inúmeras vezes em todas as categorias. Chegou a defender o Paraná em torneios brasileiros. Com o conhecimento adquirido, trouxe a Campo Mourão equipes como São Paulo, Palmeiras, Corinthians e Vasco da Gama. Itamar deixou um rastro de paixão e história no futebol. Mas ao contrário de ganhar dinheiro, era levado pela emoção. “Eu tinha um açougue na época. Tirava dinheiro de lá para injetar na escola. Nunca quis envolver o futebol com dinheiro”, disse. Além disso, Itamar lembra que tinha uma parceria muito boa com os empresários. Recebia patrocínio para as camisas e ônibus para viajar. Mas ele também revela um sonho jamais realizado. Queria ter um ginásio, com condições ideais aos atletas. Bons vestiários, estrutura adequada e um ônibus para o transporte. “Infelizmente nunca consegui isso. Se fosse para ter hoje, só ganhando na mega-sena mesmo”, brinca.

Em tempo. Itamar ainda foi vereador por duas gestões e secretário de Esportes na gestão Tureck. Pelo reconhecimento foi técnico do time profissional de futsal de Campo Mourão por mais de oito anos.

Um homem em busca do passado

A verdade é que Itamar, ou o Tio Itamar, jamais entrou em quadra para perder. Inteligente, ele sempre dobrou os meninos para aprenderem a jogar. Já está no sangue da família. Certa vez, na Taça Independência em Londrina, início dos anos 80, a equipe “Fraldinha” de Campo Mourão seria campeã do torneio caso ganhasse a última partida contra o Corinthians. No entanto, se a Tagliari perdesse, a equipe campeã seria a dona da casa, Londrina. Antevendo a reação da torcida, Itamar reuniu os meninos no vestiário e usou a psicologia invertida. Disse que os torcedores iriam gritar a favor de Campo Mourão. Que todos queriam ver a Tagliari vencer. Então, que sorrissem e fizessem gestos positivos à arquibancada. Assim que a molecada entrou em quadra a plateia começou a gritar. Mas não eram incentivos. Eram vaias mesmo. Pensando o contrário, os meninos nem sentiram a pressão e venceram a partida. De lambuja ainda ficaram com o título. Coisas de Itamar.

Hoje, olhando seu passado, Itamar fez muito pelo futebol. Deixou um legado monstruoso de títulos e amigos. Aqueles atletas cresceram e se transformaram em homens. São médicos, juízes, promotores, empresários, advogados, dentistas, pessoas comuns e de bem. Todas com a disciplina imposta pela Associação Tagliari. Mas o que adianta tudo o que fez se os poderes Legislativo e Municipal jamais se atreveram a eternizar a memória daquela “escolinha”? Nem título Itamar recebeu. A CBF tem sua sala de troféus, um museu cuja memória está preservada. Os times brasileiros possuem seus museus. Campo Mourão também possui, mas está as migalhas. Alguém se habilita?

Histórias de uma extinta e memorável escolinha
Certa vez, a equipe do Corinthians veio até Campo Mourão para um amistoso contra a Tagliari. Sem muita tradição no campo, os meninos foram escalados para desafiar o “Timão” no Estádio Municipal. Era um domingo de manhã. Durante a semana a rádio anunciava o jogo. Mas naquele dia, o sol não apareceu e uma leve garoa predominou ainda cedo. Pra piorar, um friozinho deu o ar de sua graça. O resultado não podia ser outro: mesmo com os portões abertos, ninguém apareceu para torcer pelos mourãoenses. O jogo então teve início. Numa dureza, o Tagliari fez um a zero. Enquanto isso duas rádios da cidade transmitiam o duelo. O primeiro tempo terminou com vantagem para Campo Mourão. 

Várias conquistas foram colecionadas pela Tagliari
Enquanto os meninos desceram para o vestiário, o público encheu o estádio, mesmo sob a chuva. Os torcedores vieram, finalmente, torcer para os moleques do Itamar. Foi então que, ao subirem de volta ao campo, a equipe não acreditou no que via. Mesmo entusiasmados, o jogo terminou 7 a 1. Mas para o Corinthians. Os caras viraram o jogo.

Palmital
Nos anos 80 Itamar selecionou três categorias e viajou até Palmital – 150 Km de Campo Mourão. Lá, foram três jogos contra atletas locais. As partidas aconteceram em meio a praça. Não era quadra coberta e os torcedores ficavam quase dentro das quatro linhas. A delegação foi recebida com hostilidade. Para a cidade, parecia se tratar de um clássico, como Brasil e Argentina. Já no primeiro amistoso um fato inusitado aconteceu. Ao cobrar o lateral – antes era com as mãos – o menino do Tagliari foi surpreendido por um péssimo torcedor adversário. Enquanto segurava a bola ao alto, o rapaz sem noção desceu seu calção. O atleta mourãoense ficou apenas de cuecas perante todo o público e, ainda com a bola na mão.

Na segunda partida outro fato tirou ainda mais a concentração dos meninos. É que um outro torcedor apanhou um pássaro morto e ficava atirando aquele corpo inerte dentro da quadra. O juiz – que era da cidade – nada fazia. Segundo Itamar, foi de assustar. 

1 de março de 2012

Em busca da paz os Kiwel sobreviveram

Reproduzo ótima e comovente matéria do jornalista Dilmércio Daleffe, que contou com a colaboração do Silvio Cezar Walter, que foi publicada no jornal e no site da Tribuna do Interior.


Atanásio e Janina Kiwel nasceram um para o outro, ainda na década de 20. Foram criados na Polônia em tempos de conflitos e, mesmo assim, conseguiram se casar. Mas, três dias depois do matrimônio, ainda em 1942, transformaram-se em prisioneiros de guerra. Estavam em meio à Segunda Guerra Mundial. Levados para trabalhar forçadamente na zona rural da Alemanha, presenciaram cenas de terror jamais esquecidas. Hoje, Atanásio está com 89 anos. Janina morreu há sete, vítima de câncer. Os relatos a seguir, definitivamente, não foram fáceis de serem contados. As lembranças remetem a um passado de pesadelos, torturas, fome e angústias. Revelam a resistência humana diante de barbáries. Identificam as atrocidades de uma raça que se auto mutila, que não se preserva, não se respeita. Depois de sobreviverem aos horrores da guerra, os Kiwel chegaram a Campo Mourão e, aqui, descobriram a paz.            
 
Pesadelos
Na verdade, a Segunda Guerra Mundial foi encerrada em 27 de maio de 1945. Mas 67 anos depois, ela ainda não foi extinta da memória de quem a viveu. Atanásio prefere nem mais falar sobre isso. São histórias que ainda machucam. Cicatrizes abertas diante da dor. O destino do casal teve início na década de 40. Depois de se casarem, foram separados e obrigados a trabalhar como escravos em campos de concentração nazistas. Próximo a Berlim, o casal ficou na zona rural. Trabalhavam dia e noite, numa jornada desumana. Janina já estava grávida e depois de cinco meses foi transferida a um hospital-prisão, principalmente, em função da rejeição militar por filhos estrangeiros. Em março de 1944, depois do nascimento do primeiro filho, Jorge, Janina evitou que a criança fosse morta por envenenamento de mamadeira. Tratava-se de uma prática comum naquela época: nazistas executando recém nascidos.
 
Fuga
Mas Janina era uma leoa. Fez malabarismos para esconder o filho. Muitas vezes o escondia debaixo do próprio colchão. Meses depois, o hospital-prisão em que estava foi bombardeado e acabou desmoronando. Foi removida a outra prisão, mas conseguiu fugir levando o filho. Acompanhada de outra mulher e, ainda, com a ajuda de anônimos, viajou parte do percurso de trem. Outros 26 quilômetros fez a pé, sem se alimentar, até chegar a colônia onde o companheiro estava preso. De acordo com Atanásio, Janina enfrentou muitos ataques até chegar ao seu encontro. “Numa das bombas lançadas ela e o bebê foram soterradas”, disse.
 
Último sobrevivente
Atanásio é um sobrevivente da guerra e do tempo. Ao lado dos filhos, ele é, possivelmente, o último de seus descendentes a estar vivo. Segundo relatos, toda a sua família polonesa foi morta na Guerra. O casal veio ao Brasil em 49, junto com outros dois mil foragidos de guerra enviados pela Cruz Vermelha. Polonês, ele chegou a Campo Mourão nos primeiros dias de 1950, ao lado do filho Jorge e de Janina. Aqui, o casal trabalhou como colono, garantindo o primeiro emprego na Fazenda de Pedro Parigot. Lembra ele que se tratava de um país estranho, com costumes diferentes, além de ter outra língua. Foi um recomeçar tão difícil quanto o medo de uma nova guerra.
 
Operário
Anos depois trabalhou como operário em grandes construções, como na Usina Mourão e do Hotel Santa Maria. Já habituados com a poeira vermelha da região, os Kiwel tiveram o segundo filho, Antônio, cinco netos, além de outros cinco bisnetos. Mesmo sem gostar de relembrar o período de conflito, Atanásio recorda o sofrimento da alimentação quando ainda era prisioneiro de guerra. A condição se resumia em comida ruim, de péssima qualidade. Por este motivo passou muita fome. Ao mesmo tempo testemunhou milhares de pessoas morrerem por inanição. “Eram 100 gramas de pão de manhã, beterraba com casca de batatinha com terra e tudo, em sopa no almoço e janta”, recorda. A “suntuosa ceia” era servida num campo de concentração onde mais de cinco mil pessoas se amontoavam. Muitos debilitados e, aos poucos, morrendo por falta de alimentação. “Aqueles que ainda tinham condições de andar, eram obrigados a cavar suas próprias covas. Valetas para a própria morte. Em frente aos buracos, eram metralhados. "Vi muito sangue correr naquela colônia”, revela Kiwel.
 
Hoje
Atualmente, Atanásio continua a residir em Campo Mourão. Aqui criou seus dois filhos e diz ter se tornado um dos maiores adoradores desta terra. Sempre trabalhou como operário da construção, mais especificamente, como carpinteiro. Jorge, o filho mais velho, nasceu em 42 na cidade de Waltorp, na Alemanha, e chegou ao Brasil ainda aos cinco anos. Pouco se recorda daquele tempo de guerra. Em Campo Mourão criou sua família e tornou-se agricultor. É um cara boa gente, de bem com a vida. Um sarrista. Antônio, o filho mais novo, aposentou-se no ramo da telefonia. Hoje também possui uma pequena propriedade. Trata-se de um gentleman, sempre zelozo com o velho pai. Juntos, os três continuam o destino dos Kiwel vivendo o presente e buscando esquecer um passado angustiante. A família sobreviveu à guerra e escolheu Campo Mourão para continuar sua saga. 
 
Entre 1933 e 1945 a Alemanha nazista construiu 20 mil campos de concentração para aprisionar milhões de vítimas. Os campos eram utilizados para várias finalidades: campos de trabalho forçado, campos de transição, e como campos de extermínio construídos principalmente, ou exclusivamente, para assassinatos em massa. Desde sua ascensão ao poder, em 1933, o regime nazista construiu uma série de centros de detenção destinados ao encarceramento e à eliminação dos chamados “inimigos do estado”.