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1 de março de 2012

Em busca da paz os Kiwel sobreviveram

Reproduzo ótima e comovente matéria do jornalista Dilmércio Daleffe, que contou com a colaboração do Silvio Cezar Walter, que foi publicada no jornal e no site da Tribuna do Interior.


Atanásio e Janina Kiwel nasceram um para o outro, ainda na década de 20. Foram criados na Polônia em tempos de conflitos e, mesmo assim, conseguiram se casar. Mas, três dias depois do matrimônio, ainda em 1942, transformaram-se em prisioneiros de guerra. Estavam em meio à Segunda Guerra Mundial. Levados para trabalhar forçadamente na zona rural da Alemanha, presenciaram cenas de terror jamais esquecidas. Hoje, Atanásio está com 89 anos. Janina morreu há sete, vítima de câncer. Os relatos a seguir, definitivamente, não foram fáceis de serem contados. As lembranças remetem a um passado de pesadelos, torturas, fome e angústias. Revelam a resistência humana diante de barbáries. Identificam as atrocidades de uma raça que se auto mutila, que não se preserva, não se respeita. Depois de sobreviverem aos horrores da guerra, os Kiwel chegaram a Campo Mourão e, aqui, descobriram a paz.            
 
Pesadelos
Na verdade, a Segunda Guerra Mundial foi encerrada em 27 de maio de 1945. Mas 67 anos depois, ela ainda não foi extinta da memória de quem a viveu. Atanásio prefere nem mais falar sobre isso. São histórias que ainda machucam. Cicatrizes abertas diante da dor. O destino do casal teve início na década de 40. Depois de se casarem, foram separados e obrigados a trabalhar como escravos em campos de concentração nazistas. Próximo a Berlim, o casal ficou na zona rural. Trabalhavam dia e noite, numa jornada desumana. Janina já estava grávida e depois de cinco meses foi transferida a um hospital-prisão, principalmente, em função da rejeição militar por filhos estrangeiros. Em março de 1944, depois do nascimento do primeiro filho, Jorge, Janina evitou que a criança fosse morta por envenenamento de mamadeira. Tratava-se de uma prática comum naquela época: nazistas executando recém nascidos.
 
Fuga
Mas Janina era uma leoa. Fez malabarismos para esconder o filho. Muitas vezes o escondia debaixo do próprio colchão. Meses depois, o hospital-prisão em que estava foi bombardeado e acabou desmoronando. Foi removida a outra prisão, mas conseguiu fugir levando o filho. Acompanhada de outra mulher e, ainda, com a ajuda de anônimos, viajou parte do percurso de trem. Outros 26 quilômetros fez a pé, sem se alimentar, até chegar a colônia onde o companheiro estava preso. De acordo com Atanásio, Janina enfrentou muitos ataques até chegar ao seu encontro. “Numa das bombas lançadas ela e o bebê foram soterradas”, disse.
 
Último sobrevivente
Atanásio é um sobrevivente da guerra e do tempo. Ao lado dos filhos, ele é, possivelmente, o último de seus descendentes a estar vivo. Segundo relatos, toda a sua família polonesa foi morta na Guerra. O casal veio ao Brasil em 49, junto com outros dois mil foragidos de guerra enviados pela Cruz Vermelha. Polonês, ele chegou a Campo Mourão nos primeiros dias de 1950, ao lado do filho Jorge e de Janina. Aqui, o casal trabalhou como colono, garantindo o primeiro emprego na Fazenda de Pedro Parigot. Lembra ele que se tratava de um país estranho, com costumes diferentes, além de ter outra língua. Foi um recomeçar tão difícil quanto o medo de uma nova guerra.
 
Operário
Anos depois trabalhou como operário em grandes construções, como na Usina Mourão e do Hotel Santa Maria. Já habituados com a poeira vermelha da região, os Kiwel tiveram o segundo filho, Antônio, cinco netos, além de outros cinco bisnetos. Mesmo sem gostar de relembrar o período de conflito, Atanásio recorda o sofrimento da alimentação quando ainda era prisioneiro de guerra. A condição se resumia em comida ruim, de péssima qualidade. Por este motivo passou muita fome. Ao mesmo tempo testemunhou milhares de pessoas morrerem por inanição. “Eram 100 gramas de pão de manhã, beterraba com casca de batatinha com terra e tudo, em sopa no almoço e janta”, recorda. A “suntuosa ceia” era servida num campo de concentração onde mais de cinco mil pessoas se amontoavam. Muitos debilitados e, aos poucos, morrendo por falta de alimentação. “Aqueles que ainda tinham condições de andar, eram obrigados a cavar suas próprias covas. Valetas para a própria morte. Em frente aos buracos, eram metralhados. "Vi muito sangue correr naquela colônia”, revela Kiwel.
 
Hoje
Atualmente, Atanásio continua a residir em Campo Mourão. Aqui criou seus dois filhos e diz ter se tornado um dos maiores adoradores desta terra. Sempre trabalhou como operário da construção, mais especificamente, como carpinteiro. Jorge, o filho mais velho, nasceu em 42 na cidade de Waltorp, na Alemanha, e chegou ao Brasil ainda aos cinco anos. Pouco se recorda daquele tempo de guerra. Em Campo Mourão criou sua família e tornou-se agricultor. É um cara boa gente, de bem com a vida. Um sarrista. Antônio, o filho mais novo, aposentou-se no ramo da telefonia. Hoje também possui uma pequena propriedade. Trata-se de um gentleman, sempre zelozo com o velho pai. Juntos, os três continuam o destino dos Kiwel vivendo o presente e buscando esquecer um passado angustiante. A família sobreviveu à guerra e escolheu Campo Mourão para continuar sua saga. 
 
Entre 1933 e 1945 a Alemanha nazista construiu 20 mil campos de concentração para aprisionar milhões de vítimas. Os campos eram utilizados para várias finalidades: campos de trabalho forçado, campos de transição, e como campos de extermínio construídos principalmente, ou exclusivamente, para assassinatos em massa. Desde sua ascensão ao poder, em 1933, o regime nazista construiu uma série de centros de detenção destinados ao encarceramento e à eliminação dos chamados “inimigos do estado”.