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5 de dezembro de 2011

Onde mora a felicidade?

A ciência, que passou tanto tempo debruçada sobre a tristeza, até para desenvolver um arsenal de antidepressivos, só agora passa a entender de alegria. E descobriu esse cobiçadíssimo endereço no cérebro
por Fábio de Oliveira | ilustração Fabiana Rodrigues (Revista Saúde - abril 2005)


A felicidade reside lá em cima, na massa cinzenta, numa região conhecida como lobo temporal esquerdo, a mesma área responsável pelo aprendizado, sobretudo o da linguagem, e também pela decodificação dos sons. A descoberta do local onde se manifesta essa espécie de barato natural resulta de pesquisas recentes sobre o estado de espírito que só nos últimos anos vem sendo estudado a fundo pelos cientistas. Não deixa de ser irônico: os estudiosos conhecem mais os motivos que levam o ser humano a ficar triste do que as razões capazes de o levar à plenitude.

Ommmmm...Deve-se ao professor de psicologia e psiquiatria Richard Davidson, da Universidade de Wisconsin, nos Estados Unidos, a façanha de determinar o local onde a felicidade, aparentemente reside. Ele chegou a essa descoberta ao medir, por meio de eletrodos, a atividade cerebral de monges budistas em meditação. Ao alcançarem um estado de bem-estar absoluto, a atividade elétrica no lobo temporal esquerdo disparava. Em outras palavras, o pesquisador mostrou que ser ou estar feliz é algo biológico. Mas os trabalhos científicos vão além: eles têm revelado que indivíduos alegres vivem mais e apresentam um sistema imunológico pra lá de resistente, ou seja, são menos vulneráveis a males de toda sorte e se recuperam mais rápido de doenças do que quem vive de tristezas. No entanto, é quase impossível não questionar: afinal, o que é a felicidade?

A busca por uma resposta já encheu páginas e páginas de romances e livros de poesia e filosofia, sem falar nos filmes. "A felicidade pode ser definida de várias maneiras e definições são arbitrárias", disse à SAÚDE! o psicólogo Diener, da Universidade de Illinois, nos Estados Unidos. "Por isso, prefiro a expressão bem-estar subjetivo, que inclui os sentimentos agradáveis, a ausência de sensações ruins e a satisfação com a vida", completa Diener, que é conhecido como Dr. Felicidade em seu país. O apelido lhe cai bem ele se interessa pelo assunto há mais de 20 anos e é um dos pioneiros na sua pesquisa. "Ser feliz é não querer nada mais do que o que você já tem", decreta, por sua vez, o psicólogo de origem húngara Mihaly Csikszentmihalyi, radicado nos Estados Unidos e que estuda um estado feliz da mente batizado de fluxo, algo como um transe vivenciado por quem curte pra valer o que faz, como atletas e músicos. "Ficamos felizes quando nossa estratégia para lidar com o estresse funciona bem", opina a neurocientista Suzana Herculano-Houzel, da Universidade Federal do Rio de Janeiro.

De acordo com Suzana, esse instante de contentamento aciona uma área do cérebro chamada de sistema de recompensa, que dá a sensação de prazer. Esse sistema e outras regiões corticais interagem com o hipotálamo, estrutura responsável por regular inúmeras funções no organismo, até mesmo nossas defesas. "Nas pessoas mais felizes, o eixo hipotálamo-hipófise-adrenal promove uma produção equilibrada dos hormônios do estresse, como o cortisol", explica a cientista. Assim, as defesas do corpo se fortalecem. Em quem é cronicamente estressado, ocorre justamente o contrário. "O sistema imune se enfraquece porque o corpo está sempre operando no modo de emergência", diz Diener. Daí, não é à toa o fato de os deprimidos adoecerem com mais facilidade.

"Quando uma porta de felicidade se fecha, outra se abre, mas geralmente nós olhamos por tanto tempo para a porta fechada que não vemos aquela que foi aberta para nós."Helen Keller (18801868), autora e educadora americana que era surda e cega


Ela não se compra
Ana Letícia Lima Conrado e Fernanda Lima Chornobai
Apesar de a exploração da biologia da felicidade ser algo recente, os pesquisadores já se valem de alguns métodos para tentar medi-la. "Nenhum deles é perfeito, mas pode-se empregar parâmetros biológicos, como os níveis do hormônio cortisol, além de vasculhar a memória em busca de lembranças boas e ruins e até usar questionários sobre o que é a felicidade", conta Edward Diener. Os especialistas também revelam que há uma certa predisposição genética para ser feliz. No entanto, isso não quer dizer que o desfrute desses momentos de ventura esteja ao alcance apenas de um grupo de eleitos. "É preciso aprender a lidar com as situações negativas sem se estressar, evitando respostas exageradas", diz Suzana. Isso valeria até mesmo para quem tem a sorte de carregar os genes da alegria. Implica também em tentar descobrir e se dedicar a atividades que dão prazer, não importa se for um esporte ou a simples leitura desta revista. Esses pequenos intervalos na rotina maçante liberam dopamina e endorfina, substâncias químicas que têm tudo a ver com o sistema de recompensa, "Felicidade gera felicidade. É simples assim", acredita Suzana. "Dinheiro, sucesso e beleza têm alguma influência, mas geralmente não muito grande", diz Diener. "O temperamento e boas relações sociais são mais importantes, assim como perseguir objetivos e valores únicos", continua o psicólogo. "E, claro, a atitude positiva em relação à vida é fundamental."

"A cada dia que vivo, mais me convenço de que o desperdício da vida está no amor que não damos, nas forças que não usamos, na prudência egoísta que nada arrisca e que, esquivando-se do sofrimento, perdemos também a felicidade. A dor é inevitável. O sofrimento é opcional."
Trecho do poema Viver não dói, de Carlos Drummond de Andrade (19021987)

"Tristeza não tem fim
Felicidade sim
A felicidade é como a gota de orvalho numa pétala de flor
Brilha tranquila
Depois de leve
oscila e cai como uma lágrima de amor"
Trecho de A Felicidade, composição de Vinicius de Moraes (19131980) e Antonio Carlos Jobim (19271994)