“Sempre achei que os jogos decisivos eram mais tranquilos que os outros, porque, nessas ocasiões, você só tem uma chance: é vencer ou vencer. Principalmente no Corinthians, time que eu defendi naqueles dois jogos semifinais do campeonato paulista de 1983, contra o Palmeiras. Quando se veste aquela camisa em uma final, você já entra com 70% de chances de vitória, por causa da torcida. No Corinthians, mais que em qualquer outro lugar, ela ganha jogo. Como todo artista, o jogador de futebol também trabalha com o público, que é capaz de determinar sua performance. Some-se a isso a imprevisibilidade do futebol, em que um único lance pode decidir a sorte de uma partida. Foi mais ou menos isso que ocorreu naquele Corinthians x Palmeiras. Apesar da importância, eu achava aquele jogo um compromisso muito mais calmo que enfrentar o Marília, em Marília, por exemplo, onde você leva cotovelada na cabeça, no peito, enfim, acontece de tudo. Além disso, tínhamos a Fiel do nosso lado, e para mim, o grande barato do futebol sempre foi esse: conseguir canalizar a atenção do meu público. Por tudo isso, não havia o que temer. Havia, sim, Casagrande, uma força em estado bruto no auge de sua explosão. Havia Zenon, Wladimir, eu...Tínhamos um grande time, que buscava o bi campeonato, enquanto o Palmeiras começava a se preocupar com o seu sétimo ano na fila. E isso já era um grande peso para seus jogadores”.
Apesar da rivalidade entre corintianos e palmeirenses, Sócrates preferia ganhar do Santos ou do São Paulo.
“Reconheço que, até hoje, o corintiano mesmo, aceita tudo, menos uma derrota para o Palmeiras. Participar de uma partida dessas, portanto, é excitante, e marcar o gol que garante a classificação, como aconteceu comigo, é um orgasmo todo especial. Na primeira partida, um domingo, houve um empate de 1x1. O gol do Corinthians foi meu, de pênalti, em uma bola que bateu no travessão antes de entrar. No segundo jogo, eu acabaria definindo tudo em alguns segundos. E o Minelli, perdendo de 1x0, foi obrigado a substituir o Marcio que havia entrado para fazer uma marcação homem a homem em cima de mim. Era uma marcação no melhor estilo, de um para um, que não me dava sossego até ali. Marcio me marcou muito bem. Mas, no único cochilo dele, virei o corpo, escapei do cerco e fiz o gol da vitória. Aí, durante o resto do tempo, só para segurar o jogo, eu ainda sacaneei um pouquinho.
Dava piques no meio do campo, enquanto a bola estava parada do outro lado, para a cobrança de um arremesso lateral ou cobrança de um tiro de meta, e ele vinha atrás de mim. Foi uma maneira de minar mais o moral do adversário do que uma vingança pessoal, como poderia parecer. Depois, na decisão contra o São Paulo, tive menos problemas que ao eliminar aquele Palmeiras de 1983 nas semifinais. Um duelo inesquecível , em que, por isso mesmo, valia tudo. Até desequilibrar o jogo em um único lance, como eu fiz naquela noite”.
(Sócrates Brasileiro Sampaio de Souza Vieira de Oliveira (Belém, 19/02/1954 – São Paulo, 4/12/2011), mais conhecido como Sócrates e também referido como Doutor Sócrates, Doutor ou Magrão, foi um jogador de futebol e médico brasileiro).