Mostrando postagens com marcador Hanna Rosin. Mostrar todas as postagens
Mostrando postagens com marcador Hanna Rosin. Mostrar todas as postagens

4 de março de 2015

Você não está tão ocupado quanto diz que está

Sempre que vejo alguém dizendo que anda superocupado, trabalhando pra caramba, penso que está se supervalorizando e, principalmente, desperdiçando tempo precioso que poderia ser usado para curtir a família, amigos, a natureza, esportes, um livro, um filme... 

Estava visitando o Papo de Homem e dei de cara com o artigo abaixo da escritora israelense Hanna Rosin, que pensa da mesma maneira e ainda dá o caminho para sair dessa e deixar de ser 'tão ocupado'. Vale a leitura!


Por Hanna Rosin . Via Papo de Homem

Você está muito ocupado? Pois deveria estar, e deveria informar aos demais que está. Informe em um tom orgulhoso, mas desgastado.

Como, por exemplo, um velho colega a quem pedi um conselho dia desses: “Eu gostaria de ajudar, mas não posso. Estou tentando terminar uma apresentação e uma palestra que preciso dar em Milão. Assim que eu tiver uma assistente ficarei feliz em ajudar”.

Ou como um site de um pesquisador que conheço, que diz “trabalho aproximadamente 100 horas por semana e estou ficando mais e mais para trás conforme os anos passam. Sou simplesmente incapaz de acompanhar as demandas do meu tempo e muito menos lidar com novas solicitações. Sinto-me extremamente culpado sobre isso, mas é importante que eu afaste as pessoas de perto para que possa continuar a produzir minhas pesquisas e fazer meu trabalho.”

A arte da ocupação é saber transmitir um comunicado genuíno do ritmo de sua vida, mas com ar de resignação, como se nada pudesse fazer para mudar isso, como se outros ajustassem o tempo. Deixe claro que, apesar de tudo, você esta dando conta do jogo, indo muito bem. Mas não de uma forma como se estivesse se gabando. Mais como se estivesse irritado com o fato de ser capaz disso.

Essa, cada vez mais, está se tornando a linguagem do nosso tempo.

Em seu novo livro, “Overwhelmed: Work, Love, and Play When No One Has the Time”, a repórter do Washington Post Brigid Schulte chama essa epidemia cultural de “sufoco”. É de fácil e imediato reconhecimento para a maioria dos adultos que têm uma rotina de trabalho.

“Sempre atrás e atrasado, com mais uma coisa e mais uma coisa e mais uma coisa para fazer antes de sair de casa às pressas.”

Deixar o telefone mudo durante uma conferência pra ninguém escutar o barulho da escolinha de futebol ao fundo, passar por cima de montes de roupa suja, acordar às 2AM em pânico pra terminar uma lista de tarefas e então resumir sua vida para os amigos – nos dois segundos que dedica a ver seus amigos – como "maluca o tempo todo", enquanto eles balançam a cabeça em acordo.

Para mergulhar no estado de “sufoco” você precisa não apenas estar fazendo coisas demais em um período de 24h, mas estar fazendo coisas de variadas naturezas, de forma que todas se misturem e o dia não tenha fases distintas.

Pesquisadores chamam isso de “tempo contaminado” e aparentemente mulheres são mais suscetíveis a ele, pois têm mais dificuldade de se desligar daquilo que precisa ser feito no dia. O único alívio da pressão é obtido ao isolar longos períodos de genuíno tempo livre ou lazer, criando uma sensação que Schulte chama de “serenidade temporal” ou “fluxo”.

Ao longo dos anos, diários do uso do tempo mostram que as mulheres tornaram-se terríveis nisso, eliminando todo o tempo livre e, como Schulte coloca, recorrendo a "pedaços de tempo livre do tamanho de um confeti".

Então, se espremer o tempo é tão ruim, por que as pessoas se gabam disso? Aí está o fato curioso sobre essa doença e, provavelmente, a primeira pista para a recuperação.

Para seu livro, Schulte entrevistou Ann Burnett, que estuda como a linguagem que usamos cria a nossa realidade.

Desde os anos 60, Burnett tem recolhido centenas de cartões que as pessoas enviam nas datas festivas, que servem como excelentes registros antropológicos de como as famílias escolhem se apresentar.

Burnett narra o crescimento de certas palavras e frases como "agitado", "turbilhão", "consumidos", "loucos", "difícil dar conta de tudo", "em fuga", "muito rápido". Ultimamente os cartões entraram na fase da meta-ocupação, na qual “estar ocupado” afeta o estilo da própria mensagem. Como esta que Burnett recebeu recentemente:

Eu não tenho certeza se a escrever uma carta de Natal, enquanto trabalho na velocidade da luz é uma boa ideia, mas devido a quantidade de tempo que tenho para me dedicar a qualquer projeto individual, é a única opção que eu tenho.

Começamos cada dia às 4h45min da manhã – em alta velocidade (a experiência é muito parecida com enfiar a cabeça em um liquidificador), conseguimos parar apenas às 20h, olhando para algo parecido com bruxas de Halloween empaladas de braços abertos na porta da frente, e nos perguntamos como fizemos isso durante o dia.

Foi depois dessa carta que Burnett percebeu que a ocupação de um certo tipo – não aquela em que se trabalha em três empregos de merda e coloca os filhos em creches precárias por falta de opção – se tornou uma marca de status. Em meio ao peso das listas intermináveis e dos papéis amassados, era possível notar uma pitada de glamour.

"Meu Deus, as pessoas estão competindo por estarem ocupadas", Burnett percebeu. "É uma demonstração de status. Se você estiver ocupado, você é importante. Você está levando uma vida plena e digna. Como se você não pudesse escolher, a ocupação apenas está lá. Eu chamo isso de escolha pela não-escolha. Porque as pessoas realmente têm uma escolha."

As pessoas realmente têm uma escolha?

Em algum ponto de sua jornada, Schulte se aproxima de John Robinson, um sociólogo conhecido como “Pai Tempo”, porque ele foi um dos primeiros a colecionar diários de uso do tempo, que se tornaram a base para pesquisas sobre como os americanos usam seu tempo (American Time Use Surveys), que dizem muito sobre o modo como vivemos.

Embora não diga abertamente, Schulte parece desconfiar de Robinson, e, provavelmente, por uma boa razão. Ele é divorciado e vive sozinho, portanto, está livre para gastar o seu tempo como quiser (muitas vezes fica no metrô com um guia de entretenimento na mão e nenhum objetivo particular.) Mas Robinson me pareceu ter elaborado o antídoto mais convincente para o "sufoco".

Robinson não nos pede para meditar, tirar mais férias, respirar, caminhar na natureza ou fazer qualquer coisa que pareça mais um item na lista de afazeres. A resposta para esse sentimento opressivo de ocupação, ele diz, é parar de dizer a si mesmo que está excessivamente ocupado.

Porque a verdade é que todos nós estamos muito menos ocupados do que pensamos.

E a nossa consistente insistência de que estamos ocupados criou uma série de males pessoais e sociais que Schulte relata com riqueza de detalhes em seu livro: estresse desnecessário, exaustão, escolhas ruins, e, em um nível maior, a convicção de que trabalhador ideal é aquele que está disponível o tempo todo, porque ele ou ela é grato por estar "ocupado", e que todos nós devemos aspirar aos horários insanos de um empresário do Vale do Silício.

“É muito comum a sensação de que há muitas coisas acontecendo e que as pessoas simplesmente não podem ter controle de suas vidas,” afirma Robinson. “Mas quando nós analisamos os diários das pessoas, parece não haver evidência suficiente para apoiar essas crenças – é um paradoxo. Quando você conta para as pessoas que elas têm de trinta a quarenta horas livres por semana, elas não querem acreditar nisso."

Estar ocupado é uma virtude, então as pessoas estão com medo de ouvir que elas têm tempo vazio, como Tim Kreider escreveu em “The ‘Busy’ Trap.” É o equivalente a dizer que você é redundante ou obsoleto.

Robinson fez Schulte manter um diário sobre como usa o tempo e a mostrou muito tempo livre que ela não havia considerado como tal – estar deitado na cama à toa, fazer exercícios, jogar gamão em seu computador, conversar com um amigo no telefone.

No entanto, ela ainda não acredita que, como uma mãe que trabalha, ela poderia ter qualquer tempo de lazer. Na verdade, ela parece cética em relação à premissa de Robinson, que estamos ocupados por dizermos estar.

Na verdade, no dia em que eu deveria escrever esse artigo tinha todos os sintomas de “tempo contaminado”. Tinha que gravar um podcast, contratar uma babá porque a nossa de 13 anos nos deixou, tinha que descobrir o que fazer com uma criança que tinha metade do dia fora da escola, chamar alguém para consertar a máquina de lavar roupa, confortar um amigo que estava pirando sobre sua mãe doente, fazer pré-entrevistas para uma aparição na TV, voar para Nova York para as entrevistas, ver os meus pais, tomar uns drinks com um editor amigo, ir para um hotel. (Tive que desmarcar uma consulta médica marcada há séculos). E não estou nem contando as coisas normais: email, trabalho, café da manhã, levar as crianças à escola, ver como elas estão no período da tarde.

Durante todo o dia, tentei me convencer de que não estava tão ocupada. A maneira pela qual fiz isso foi repetindo silenciosamente: "Você não está tão ocupada."

Fazer isso de fato parou a fita na minha cabeça sobre o que tinha de ser feito naquele dia. Eu só calmamente fiz uma coisa após a outra. Acredito que isso significa que eu estava sendo consciente, ou talvez vivendo no momento ou estando presente, mas não tenho certeza. E eu não vou verificar, porque se eu der um nome a isso, então será apenas mais uma coisa que vou me sentir obrigada a fazer.

Em vez disso, basta retirar apenas uma coisa da sua lista de afazeres, que é: dizer a todos o quanto você está ocupado.


Hanna Rosin
Escreve para a Atlantic e para a Slate. Também é autora do livro "The End of Men". A siga no twitter.