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6 de março de 2014

Cuba, o inferno no Paraíso


Por Juremir Machado da Silva. Correio do Povo, Porto Alegre (RS)

Na crônica da semana passada, tentei, pela milésima vez, aderir ao Comunismo.

Usei todos os chavões que conhecia, para justificar o projeto cubano. Não deu certo.

Depois de 11 dias na ilha de Fidel Castro, entreguei, de novo, os pontos.

O problema do socialismo é, sempre, o real.  Está certo que as utopias são virtuais; o lugar, não. Mas, tanto problema com a realidade inviabiliza qualquer adesão.

Volto chocado: Cuba é uma favela no paraíso caribenho.

Não fiquei trancado no mundo cinco estrelas do hotel Habana Libre.  Fui para a rua. Vi, ouvi e me estarreci.

Em 42 anos, Fidel construiu o inferno ao alcance de todos.

Em Cuba, até, os médicos são miseráveis. Ninguém pode queixar-se de discriminação. É, ainda, pior.

Os cubanos gostam de uma fórmula cristalina: ‘Cuba tem 11 milhões de habitantes e 5 milhões de policiais’. Um policial pode ganhar, até, quatro vezes maisdo que um médico, cujo salário anda em torno de 15 dólares, mensais.

José, professor de História e Marcela, sua companheira, moram num cortiço, no Centro de Havana, com mais dez pessoas (em outros, chega a trinta). Não há mais água encanada. Calorosos e necessitados de tudo, querem ser ouvidos.

Hotel Habana Libre
José tem o dom da síntese: ‘Cuba é uma prisão, um cárcere especial. Aqui, já se nasce prisioneiro. E a pena é perpétua.  Não podemos viajar e somos vigiados, em permanência. Tenho uma vida tripla: nas aulas, minto para os alunos. Faço a apologia da revolução. Fora, sei que vivo um pesadelo. Alívio é arranjar dólares com turistas’.

José e Marcela, Ariel e Julia, Paco e Adelaida, entre tantos com quem falamos, pedem tudo: sabão, roupas, livros, dinheiro, papel higiênico, absorventes. Como não podem entrar, sozinhos, nos hotéis de luxo que dominam Havana, quando convidados por turistas, não perdem tempo: enchem os bolsos de envelopes de açúcar.

O sistema de livreta, pelo qual os cubanos recebem do governo uma espécie de cesta básica, garante comida, para uma semana. Depois, cada um que se vire. Carne é um produto impensável.

José e Marcela, ainda assim, quiseram mostrar a casa e servir um almoço de domingo: arroz, feijão e alguns pedaços de fígado de boi. Uma festa.

Culpa do embargo norte-americano?  Resultado da queda do Leste Europeu? José não vacila: ‘Para quem tem dólares, não há embargo. A crise do Leste trouxe um agravamento da situação econômica. Mas, se Cuba é uma ditadura, isso nada tem a ver com o bloqueio’.

Cuba tem quatro classes sociais: os altos funcionários do Estado, confortavelmente instalados em Miramar; os militares e os policiais; os empregados de hotel (que recebem gorjetas em dólar); e o povo.

‘Para ter um emprego num hotel, é preciso ser filho de papai, ser protegido de um grande, ter influência’, explica Ricardo, engenheiro que virou mecânico e gostaria de ser mensageiro nos hotéis luxuosos de redes internacionais.

Certa noite, numa roda de novos amigos, brinco que quando visito um país problemático, o regime cai, logo depois da minha saída. Respondem em uníssono:

'Vamos te expulsar daqui agora mesmo’.

Pergunto: por que não se rebelam, não protestam, não matam Fidel? Explicam que foram educados para o medo, vivem num Estado totalitário, não têm um líder de oposição e não saberiam atacar com pedras, à moda palestina.

Prometem, no embalo das piadas, substituir todas as fotos de Che Guevara espalhadas pela ilha, por uma minha, se eu assassinar Fidel para eles.

Quero explicações, definições, mais luz. Resumem: ‘Cuba é uma ditadura’.  Peço demonstrações. ‘Aqui, não existem eleições. A democracia participativa, direta, popular, é um fachada para a manipulação. Não temos campanhas eleitorais, só temos um partido, um jornal, dois canais de televisão, de propaganda, e, se fizéssemos um discurso, em praça pública para criticar o governo, seríamos presos, na hora’.

Ricardo Alarcón aparece, na televisão, para dizer que o sistema eleitoral de Cuba é o mais democrático do mundo. Os telespectadores riem: ‘É o braço direito da ditadura. O partido indica o candidato a delegado de um distrito; cabe aos moradores do lugar confirmá-lo; a partir daí, o povo não interfere em mais nada. Os delegados confirmam os deputados; estes, o Conselho de Estado; que consagra Fidel’.

Mas, e a educação e a saúde para todos? Ariel explica: ‘Temos alfabetização e profissionalização, para todos; não, educação. Somos formados, para ler a versão oficial; não, para a liberdade. A educação só existe, para a consciência crítica, à qual não temos direito. O sistema de saúde é bom e garante que vivamos mais tempo para a submissão’.

José mostra-me as prostitutas, dá os preços e diz que ninguém as condena: ’Estão ajudando as famílias a sobreviver’.  Por uma de 15 anos, estudante e bonita, 80 dólares.

-Quatro velhas negras olham uma televisão em preto e branco, cuja imagem não se fixa. Tentam ver ‘Força de um Desejo’.

Uma delas justifica: ‘Só temos a macumba (santería) e as novelas, como alento. Fidel já nos tirou tudo. Tomara que nos deixe as novelas brasileiras’.

Antes da partida, José exige que eu me comprometa a ter coragem de, ao chegar ao Brasil, contar a verdade que me ensinaram: em Cuba só há ‘rumvoltados’.

E, ainda, existem brasileiros que defendem isso e querem e desejam isso, para o Brasil!

Juremir Machado Silva é um jornalista e escritor gaúcho, colunista do Jornal Correio do Povo, de Porto Alegre, que já esteve duas vezes em Cuba. O texto foi escrito em 2001, quando da primeira visita. De lá para cá, com Dilma na presidência, o país caribenho deve ter melhora muito. Sei!
(As fotos são ilustrações minhas)