O encarceramento pode servir de gatilho para a criatividade, já que dentro da prisão, não se tem um leque grande de coisas pra fazer. Muitos bons livros foram escritos nesse contexto. Nessa lista em particular, listamos apenas alguns deles, escritos realmente de dentro de uma cadeia ou prisão. Confira:
1 – “Da prisão, para Althea”, Richard Lovelace
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“As paredes de pedra não fazem uma prisão/Nem barras de ferro uma
gaiola” (tradução livre). Essas são as linhas mais citadas do poema de
Richard Lovelace, “To Althea, from prison”.
Richard Lovelace era um jovem cavaleiro inglês da guerra civil,
classificado ao lado dos poetas metafísicos. Enviado para a prisão por
apresentar uma petição de apoio a bispos pró-monarquistas, ele usou seu
tempo encarcerado para compor seu poema mais famoso. Escrito para uma
“amante” possivelmente ficcional, o poema expressa um tema comum a
grande parte da literatura composta na prisão: que não se pode
aprisionar o espírito humano. Apesar das paredes ao redor, ele podia
imaginar sua amada, e assim termina o poema com os versos: “Se eu tenho
liberdade no meu amor/E na minha alma sou livre/Anjos solitários, que
sobem acima/Desfrutam dessa liberdade” (tradução livre). |
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2 – “De Profundis” ou “A Balada do Cárcere de Reading”, Oscar Wilde
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Enquanto Lovelace achou que o amor ia libertá-lo, para Wilde, foi o amor
que o levou ao confinamento. Depois de uma série de acusações relativas
às suas relações com Lord Alfred Douglas e outros homens, Wilde foi
condenado por atentado violento ao pudor. Enquanto na prisão em Reading,
Wilde compôs uma longa carta a Douglas que mais tarde foi publicada
postumamente, como De Profundis. O livro começa com um balanço do
relacionamento dos dois e como isso tem sido prejudicial para Wilde. O
tom não é de acusação, mas autorrevelador. A carta, em seguida, volta-se
para as realizações que a prisão forçou em Wilde. Ele termina com os
seus planos para o futuro: “Eu me cansei das declarações articuladas dos
homens e coisas. O Místico na Arte, a Mística na Vida, a Mística na
Natureza, é isso que eu estou procurando. É absolutamente necessário que
eu encontre isso em algum lugar” (tradução livre). |
3 – “A História do Mundo”, Walter Raleigh
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Sir Walter Raleigh (1552 ou 1554 – 1618) foi um explorador, espião,
escritor e poeta britânico. Ele viveu na época das Grandes Navegações e
da colonização da América, e não é exatamente comemorado por
historiadores acadêmicos atuais, mas sua história inacabada do mundo é
uma obra-prima. Raleigh traça a história do mundo desde a sua criação
até a terceira guerra macedônica em 168 a.C. O livro serve para mostrar
como a mente de um homem, embora o seu corpo seja mantido em cativeiro,
pode viajar ao longo do tempo e do espaço. Raleigh nunca terminou o
livro, mesmo tendo sido liberto, e mais tarde foi decapitado. |
4 – “Tractatus Logico-Philosophicus”, Ludwig Wittgenstein
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Ludwig Joseph Johann Wittgenstein (1889 – 1951) foi um filósofo
austríaco naturalizado britânico, com contribuições nos campos da
lógica, filosofia da linguagem, filosofia da matemática e filosofia da
mente.
O único livro de filosofia que publicou em vida,
no entanto, foi o Tractatus Logico-Philosophicus, de 1922. “O que não
podemos falar, devemos passar em silêncio”, é o que ele sugere no
Tractatus. É uma das obras mais influentes do século 20, mas pode exigir
múltiplas leituras. Wittgenstein começou as notas para o Tractatus
enquanto era um soldado da Primeira Guerra Mundial. Ele terminou o livro
na prisão, capturado pelos Aliados no final da guerra. Parte da
dificuldade em ler o Tractatus de Wittgenstein é seu estilo; ele usa
declarações curtas e subcláusulas para expor os seus pontos de vista, ao
invés de argumentos como estamos acostumados. |
5 – “As Viagens de Marco Polo”, Rustichello de Pisa
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Marco Polo deixou a Itália com seu pai e seu tio em 1271, e retornou
em 1295. Durante esse tempo, viajou para o então pouco conhecido Extremo
Oriente. No retorno à Itália, Polo foi capturado pelos genoveses e
preso. Enquanto na prisão, ele relatou suas aventuras ao companheiro
prisioneiro Rustichello de Pisa.
Este, por sua vez, escreveu o que
ouviu e logo seu trabalho se propagou pela Europa. Reza a lenda que,
por séculos, “As Viagens de Marco Polo” representava a melhor informação
que o Ocidente tinha sobre a China. Enquanto algumas falas de Polo
possam ser questionadas quanto à veracidade, certamente se provaram
influentes. O contato com a China existiu antes dele (certamente no
comércio da Roma antiga), mas foi com o livro que nasceu a disseminação
da fascinação com o “exótico Oriente”. |
6 – “Cartas e papéis da prisão”, Dietrich Bonhoeffer
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Bonhoeffer teve muitas chances de levar uma vida fácil. Ele nasceu no
conforto da classe média de 1906 na Alemanha. Ele podia ter seguido a
carreira de seu pai na medicina ou feito música. Em vez disso,
Bonhoeffer estudou teologia e se tornou um pastor. Quando os nazistas
tomaram o poder político na região, Bonhoeffer e outros clérigos
liberais formaram a sua própria comunhão. Ele teve muitas chances de
mudar para o exterior e evitar a perseguição, mas, após intenso debate
interno, ele escolheu estar na Alemanha durante a guerra. Bonhoeffer foi
preso em 1943 e mantido lá por apenas 23 dias antes do fim da guerra,
quando foi enforcado. Durante sua prisão, Bonhoeffer escreveu muito, e
esse conjunto de cartas e documentos é uma leitura que vale muito a
pena, mesmo que você não seja o maior fã de detalhes da teologia cristã. |
7 – “Carta de uma prisão em Birmingham”, Martin Luther King Jr
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“Meus caros amigos clérigos: embora confinado aqui na prisão da
cidade de Birmingham, me deparei com sua declaração recente chamando
minhas atividades atuais de ‘imprudentes e inoportunas’. Raramente faço
uma pausa para responder a críticas ao meu trabalho e ideias…” (tradução
livre). Assim começou King seu trabalho na cadeia. E que bom que ele
fez essa pausa para responder a seus críticos, porque a carta que
escreveu da prisão, onde ficou detido por protestar sem permissão, é uma
bela reivindicação aos direitos de todas as pessoas.
Bonhoeffer,
como teólogo profundo, às vezes pode falar em termos cujo significado
nos escapa. Mas a carta de King fala para todos, cristãos ou não.
King
escreveu em resposta a uma publicação de oito clérigos locais, que
pediam para os afro-americanos que pressionassem o seu caso pela
igualdade de direitos através dos tribunais e não por manifestações.
King responde estabelecendo calmamente todas as razões pelas quais é
impossível que um homem de consciência permita que a injustiça continue.
Este é o melhor documento para a compreensão da liderança de King. Se
você estivesse subjugado por tal injustiça, seria capaz de enfrentá-la
com razão, determinação e perdão?
O livro não é mais um
apelo daqueles que sofrem discriminação pessoalmente; King deixa claro
que todos devemos ser responsáveis por garantir os direitos dos outros.
“A injustiça em qualquer lugar é uma ameaça à justiça em toda parte” |
8 – “Epístolas da Prisão”, Paulo
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Paulo foi o primeiro e mais influente teólogo cristão. Ele era um
“perseguidor” dos cristãos até ter um encontro com Jesus na estrada para
Damasco; a partir de então, Paulo se tornou um dos defensores mais
veementes do cristianismo. Suas cartas mostraram-se tão importantes para
a teologia cristã que foram incorporadas ao Novo Testamento.
Enquanto
Paulo estava espalhando a fé em Jesus como o Messias, ele causou
descontentamento. Depois de um confronto em Jerusalém, Paulo foi preso.
Lá, ele escreveu várias cartas importantes para comunidades cristãs.
Suas cartas foram mais tarde extensamente lidas por Martin Luther e a
teologia paulina se tornou uma força motriz por trás do cisma religioso
entre católicos e protestantes. |
9 – “A Morte de Artur”, Thomas Malory
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Sir Thomas Malory (1405 — 1471) foi um romancista inglês. Seu livro
“Le Morte d’Arthur” (A Morte de Artur) é um dos mais célebres contos
sobre a história do rei Artur e dos Cavaleiros da Távola Redonda –e isso
porque a Inglaterra tem uma rica história da mitologia arturiana que
inspirou escritores durante centenas de anos.
Enquanto
estava preso em Londres, Thomas Malory escreveu, usando fontes
francesas, a versão mais famosa da lenda arturiana. Le Morte d’Arthur
deu ao mundo algumas das melhores imagens conhecidas de Artur, como o
ato de puxar a espada da pedra, e a Dama do Lago. |
10 – “A Consolação pela Filosofia”, Boécio
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Desde que foi publicado, esse trabalho tem sido influente. Traduzido
do latim para o inglês por figuras como o rei Alfred e a Rainha
Elizabeth I, o livro serve como um aviso para quem está no poder. Boécio
estava no auge do poder em Roma, após o colapso do Império Ocidental.
Infelizmente, ele entrou em choque com Teodorico, o Grande e foi preso.
Esta súbita mudança de fortuna é o que o levou a escrever este diálogo
filosófico entre ele e a “Deusa Filosofia”. Boécio se sente lesado por
ter tudo “arrancado” dele.
A filosofia o leva a questionar se
alguma coisa de tudo que ele “perdeu” tinha sido verdadeiramente sua,
para começar. Filosofia pode não ser a leitura mais fácil do mundo, mas
esse continua sendo um texto fundamental para a civilização ocidental. |
Bônus: “Memórias do Cárcere”, Graciliano Ramos
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O brasileiro Graciliano Ramos (1892 – 1953) foi um romancista,
cronista, contista, jornalista, político e memorialista brasileiro do
século XX. Apesar de sua obra mais conhecida ser “Vidas Secas” (1938),
um dos seus melhores livros é “Memórias do Cárcere” (1953), escrito
durante seu tempo na prisão e nunca concluído, faltando o capítulo
final. Foi publicado postumamente em dois volumes.
Graciliano foi preso em 1936 por conta de seu envolvimento político, exagerado
pelas autoridades por conta do “medo comunista” de 1935. No livro,
Graciliano descreve variados acontecimentos ocorridos entre os presos
políticos, como a entrega de Olga Benário para a Gestapo, as supostas
sessões de tortura aplicadas a Rodolfo Ghioldi e o encontro com
Epifrânio Guilhermino, único sujeito a assassinar um legalista no
levante comunista do Rio Grande do Norte. Na obra, também dá importância
ao sentimento de náusea causado pela imundície das cadeias, relatando
ficar sem alimentação por vários dias por conta do nojo. |