Não tenho dúvidas de que a menina do macaco acredita mesmo não ser racista no convívio com as outras pessoas no dia a dia. Apenas foi na onda de protestos. Tanto, que seus amigos, parentes e conhecidos se surpreenderam com aquela reação da moça no estádio. Poucos são os racistas que elaboram esse sentimento a ponto de racionalizá-lo e adotar até métodos de conduta nos seus relacionamentos do cotidiano. Isso é coisa para os Goebels de botequim, que, depois de umas e outras, passam a discursar contra negros, judeus, mulheres, gays e outros bichos. O racismo e demais discriminações, em geral, latejam subjacentes no fundo do inconsciente humano e só afloram quando tocados pela paixão repentina.
Mais da metade da fala pública da moça foi uma apaixonada declaração de amor ao seu clube de coração – o Grêmio. O resto dividiu-se entre a negação de sua condição de racista e os pedidos de desculpas ao goleiro Aranha, alvo dos xingamentos. Portanto, a paixão clubística, ferida em seus brios pela derrota iminente, foi o gatilho que detonou a reação racista, no caso. Poderia ter sido, por exemplo, judeu sujo, se Aranha se chamasse Goldberg, ou veado, se o goleirão santista tivesse outras preferências sexuais, e assim por diante.
Mas, jamais seria a Patrícia, a cidadã, que o faria na rua, cara a cara com seu imaginário desafeto. Nem tanto por medo do revide físico. Mas, porque, nessas circunstâncias, quem estaria ali seria a Patrícia, a pessoa, o indivíduo, o singular. Quando, porém, o indivíduo vira massa, sai de baixo! Ele deixa de ser touro para ser manada, que, a qualquer momento pode desembestar sem olhar em sobre quem pisa.
Anos atrás, num papo legal com o Belluzzo, ex-presidente do Palmeiras, economista renomado, acadêmico de peso, refinado intelectual, homem de tantas leituras e saberes, ele me revelava seu espanto com a seguinte cena: Belluzzo e alguns de seus pares, professores universitários, filósofos, escritores, a mais fina estirpe da intelectualidade paulista, todos palestrinos de pai pra filho, foram assistir a um jogo de seu time. Num dado momento, Belluzzo olhou para si e os companheiros e o que viu? Uma horda de lunáticos, descabelados, olhos rútilos, xingando o juiz, os bandeirinhas, os jogadores, o técnico, claro, Marx e Keynes, Celso Furtado e Roberto Campos, loucos pra sair na porrada com o primeiro adversário que cruzasse seu caminho. Não, não, meu amigo, não estou aqui, com essa conversinha toda, tentando eximir a Patrícia de seu vil comportamento no campo do Grêmio. Nada disso. Todo cidadão, inclusive a moça, deve responder por seus crimes perante a lei, com as devidas atenuantes e agravantes que os magistrados julgarem cabíveis em cada caso.
O que estou querendo dizer é que nem mesmo a educação formal neste país basta para construir um autêntico cidadão, capaz de controlar seus instintos e de se manter íntegro como tal mesmo quando se transforma em massa. Essa massa que hoje lincha publicamente a Patrícia, via redes sociais e nas ruas, e, que, desgraçadamente, em outras circunstâncias estaria repetindo o mesmo ato abjeto, ou similar. Massa é massa, algo informe, desprovida de racionalidade, passional e sempre conduzida ao inferno pelo estalo do chicote de uma palavra de ordem qualquer. Povo é outra história. Mas, essa sutil diferença é coisa que foi pro beleléu há muito tempo.