Reproduzo excelente reportagem do jornalista mourãoense Dilmércio Daleffe que conta o drama vivido pelo Irineu Casarin, meu xará e amigo. Leiam e tomem consciência da gravidade de se 'perder' um documento nesse Brasilzão e suas terríveis consequências.
Por: Dilmércio Daleffe
Com o nome no lixo, e a honra no esgoto
A vida de Irineu Casarin definitivamente transformou-se num caos. Sem dever nada a ninguém, teve o nome sujo perante a lei. Em sua identidade surgiram diversos crimes, a começar por assalto a mão armada, chegando até a receptação. Sim, ele foi enganado. Inocente, teve seus documentos falsificados por uma organização criminosa atuante em todo o Paraná. De pintor de carros, “virou bandido da pesada”. Isso na teoria. Na prática, continua atuando como funileiro, mas em Londres, na Inglaterra. Afugentado, com medo de ser preso por algo que jamais cometeu, perdeu a coragem de ir e vir. O temor fez com que não viesse nem mesmo ao enterro do irmão, Iderlando, morto no ano passado. Casarin perdeu o nome, teve sua honra jogada na lama. Mas e agora?
Irineu Casarin, uma das netas e a esposa Cacilda |
União da Vitória, dezembro de 2000. Um homem identificado como Irineu Casarin, portando documento de identidade número 1.486.991-3, é detido e levado à delegacia de polícia local. Era procurado por dois crimes - assalto e formação de quadrilha. Tratava-se de um nome conhecido em meio aos corredores da lei, embora, ainda tivesse um rosto não identificado. Naquele momento, uma trama começava a ser desvendada. Mal sabia a Polícia que, na verdade, não se tratava de Irineu Casarin. O homem preso era Ari Gonçalves dos Santos, membro de uma organização criminosa e responsável por falsificar a identidade de Casarin. Mantinha em seu curriculum uma extensa ficha criminal em todo o estado do Paraná. Seus crimes ocorreram em Goioerê, União da Vitória, Assis Chateaubriand, além de Guarapuava. Mas então, se Ari foi revelado, onde anda e quem é Irineu Casarin?
Irineu Casarin é um sujeito criado e crescido em Campo Mourão. De família humilde, sempre deu duro como pintor automotivo. Afinal, mulher e dois filhos não é brincadeira. Nunca foi rico e também não foi por isso que precisou roubar ou matar. Pelo contrário. Jamais cometeu qualquer espécie de crime. Como a maioria dos brasileiros, seu maior pecado foi trabalhar demais e não conseguir elevar a renda da família. Ou seja, seu “crime” foi ter nascido no Brasil. Hoje, aos 57 anos, Irineu vive longe do país, afugentado, com medo de ser preso por algo que, definitivamente, não cometeu. Irineu é tão somente uma vítima. Foi do céu ao inferno em segundos. E, agora, paga o preço sem dever nada a ninguém.
Seu drama começou em setembro de 1998, enquanto jogava uma partida de futebol no Country Clube de Campo Mourão. Após o término da pelada, retornou aos vestiários quando percebeu que sua carteira havia sido roubada. Desesperado, foi até a delegacia e prestou queixa, indicando ter perdido todos os seus documentos. Segundo ele, naquela época, o escrivão ainda emitia o boletim de ocorrência numa máquina de escrever, cujo carbono, permanecia entre duas folhas de papel. “Eu perdi minha via. Fui até a delegacia e eles informaram que também não mantinham mais documentos daquele ano”, disse Casarin.
Semanas depois fez novos documentos. Então a vida seguiu até decidir com a esposa, Cacilda, deixar o país para tentar uma vida melhor na Inglaterra. Em setembro de 2002, mudou para Londres. Lá, passou a fazer o que sempre fez no Paraná: pintar carros. Um dia, amigos o informaram que seu nome estava na internet. Diziam que era procurado da polícia brasileira por vários crimes. Então buscou informações sobre o que estava acontecendo. Para sua tristeza, o episódio do roubo da carteira, em 98, encaixou-se no quebra-cabeças, agora, de 2002. Irineu perdeu seus documentos para uma quadrilha, que passou a utilizar seu nome nos mais variados crimes por onde atuou. Seu nome foi ao espaço, para o lixo, assim como sua paz e tranquilidade.
Com nome sujo e ainda procurado pela polícia, a vida de Irineu transformou-se num caos. Até hoje, anda como rato na escuridão, pelas beiradas. Seu drama chegou num ponto que nem mesmo no velório do irmão Iderlando, morto em agosto de 2013, em Campo Mourão, pode estar presente. Irineu foi julgado e condenado sem jamais ter podido se defender. “Como é que voltarei se posso ir preso. Nunca fiz mal pra ninguém. Se não me cuidar acabarei preso por anos até que a justiça apareça”, afirmou.
Casarin vive em Londres há 11 anos. Recentemente foi vítima de um derrame cerebral, deixando-o com algumas sequelas. Atualmente está afastado do trabalho. Mesmo assim, disse ter juntado uma certa quantia para recomeçar sua vida em Campo Mourão. “Quero voltar pro meu país e retomar a vida. Mas como voltarei se posso ir preso”? questiona. Pai, avô por seis vezes e ainda, corintiano, Irineu se apega a Deus torcendo para que o fim de toda esta história tenha um final feliz. E pelo que tudo indica, terá.
Advogado consegue reviravolta no caso
De acordo com o advogado Washington Fragoso Veras, o homem que, ao lado de uma organização criminosa, utilizava o nome de Irineu em crimes, hoje está preso e condenado na penitenciária de Piraquara, no Paraná. Após uma intensa investigação pessoal, o advogado encontrou Ari Gonçalves dos Santos. Para provar que não se tratava de Irineu, pediu provas de suas digitais e, numa audiência em Curitiba, escutou a confissão de Ari. Ali, frente a frente com juiz e promotor, o condenado confirmou ter recebido a identidade de um sujeito chamado Adilson, e, posteriormente, falsificou o documento. Acabou envolvendo o nome de Irineu em crimes como roubo, assalto a mão armada, receptação e formação de quadrilha. Sem medo, temor, ou arrependimento, despejou o nome de outra pessoa ao vento.
Para Fragoso Veras, Irineu foi julgado e condenado injustamente. “Houve um grande erro. É um absurdo.
Uma falha do sistema prisional do Paraná. Não investigaram nem mesmo suas digitais”, observou. Segundo ele, a justiça já revogou o nome de Irineu em alguns processos. No entanto, ainda existem resquícios que unem seu nome a ações criminais ou a apenas inquéritos. “Ainda a situação não está totalmente resolvida”, disse. Mesmo assim, o advogado garante que Irineu pode retornar ao Brasil sem ser detido. “Neste momento, não existe nada mais que o leve preso”, afirma.
Quadrilha atuava em todo Paraná
Segundo informações, Ari participava de uma quadrilha com intensa movimentação no estado. Mas também atuava na região de Campo Mourão. Tanto é que o tal Adilson, citado por ele como o responsável pela entrega da identidade de Irineu, seria um mourãoense, membro da organização. Antes de ser preso, em União da Vitória, em 2000, a quadrilha realizou um roubo a uma loja naquela cidade. A ação não deu certo. Um cerco da polícia resultou em troca de tiros e um membro – José Adilson do Nascimento, conhecido como Dico da Jurema - acabou morto próximo a Guarapuava. Tal elemento pode ser o “Adilson” descrito anteriormente. Depois disso, Ari Gonçalves dos Santos – fichado como Irineu Casarin -, Ricardo Aparecido da Silva e Ramona Inciso foram presos e condenados, em 2002, a 13 anos de prisão.
Ari foi removido a penitenciária de Piraquara e, até o ano de 2006, ainda era tido como Irineu Casarin. No entanto, foi só o advogado Fragoso Veras entrar no caso para que uma reviravolta acontecesse. Numa investigação intensa, não só revelou a identidade de Ari, como o fez confessar a falsificação ideológica. A partir daí, o quadro para o verdadeiro Irineu, passou a melhorar. Hoje, a trama já está elucidada. Com isso, Irineu pode ter seu direito de ir e vir preservado. E, desta maneira, voltar a sua terra natal para retomar a continuidade de seus desejos e sonhos. Pode até entrar com uma ação de reparação contra o Estado. E nunca é demais lembrar: no Brasil, tudo pode acontecer.
Dilmércio |
Dilmércio Daleffe é jornalista diplomado na Universidade Estadual de Ponta Grossa - PR. Atua como chefe de redação no Jornal Tribuna do Interior, em Campo Mourão, Paraná.
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