8 de setembro de 2010

Aniversário. Por Luis Fernando Veríssimo

Aniversário

Ruy e Nara foram para a cama na hora de sempre. Ruy pegou seu livro. Mas a Nara queria conversar.

- Meu bem…
- Mmmmm?
- Sabe que dia é hoje?
- Quinta.
- Do mês.
- Ahn… Dezoito.
- E então?
- Então, o quê?
- Pense bem. É um aniversário.

Meu Deus, pensou o Ruy. Esqueci o nosso aniversário de casamento outra vez, como no mês passado. Mas se tinho sido no mês passado, não podia ser agora. O aniversário dela também não era. Ou era?

- Que aniversário? – perguntou.
- De uma coisa que aconteceu há muitos anos…
- Muitos anos?
- Antes do nosso casamento.
- Não consigo me lembrar.
- No sofá da minha casa…
- No sofá da sua casa?
- Lembrou agora?

Seria possível? A Nara dera para aquilo, agora. Ele forçou um sorriso, fez um ruído indefinido e voltou à sua leitura. Mas ela insistiu.

- Meu bem…
- Mmmmm?
- Vamos comemorar?
- Vamos – suspirou o Ruy, colocando o livro sobre a mesa-de-cabeceira.

Virou-se para a mulher. Os dois se beijaram. Depois Ruy pegou a livro outra vez. Nara protestou:

- Mas só isso?
- Só isso o quê?
- Só um beijo, Ruy?
- Se eu me lembro, naquele dia foi só um beijo.
- Sim, mas…
- Eu não insisti? Não pedi mais do que um beijo? E o que foi que você disse?
- Eu disse “não”.
- Sua exatas palavras. “Não.”
- Mas depois eu deixei, Ruy.
- Dois meses depois. Dois meses e meio!
- Ah, Ruy…
- Não.
- Então vamos comemorar o que aconteceu dois meses depois.
- Eu, nessas, coisas, sou ortodoxo. Aniversário é no dia!

(Luis Fernando Veríssimo, no livro "Comédias da Vida Privada". LPM Editoras.)

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