Indústria cafeeira e política externa levaram a máquina do cinema dos EUA para o interior do Paraná; filme “Pão de Açúcar” é uma lenda na cidade do norte pioneiro
Praticamente todos os carros que circulavam em Jacarezinho no ano de 1964 seguiram em linha o conversível de onde a atriz americana Rhonda Flemming (estrela de filmes como o faroeste “Sem Lei e Sem Alma”, de 1957) saudava as pessoas nas janelas e calçadas.
Um avião com a atriz tinha acabado de descer na Fazenda Califórnia, grande propriedade cafeeira da região no momento mais ruidoso do verão em que a cidade do norte pioneiro virou Hollywood.
Jacarezinho foi a principal locação do filme “Pão de Açúcar” (“Instant Love”, no original), dirigido por Paul Sylbert, com o italiano Rossano Brazzi e a brasileira Odete Lara no elenco.
Reprodução
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Still da produção: uma daquelas fotos que ficavam expostas nos cinemas.
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A passagem da trupe hollywoodiana virou lenda na cidade como lembra o jornalista Reinaldo Bessa que, aos 9 anos, acompanhou as filmagens. “O filme parou a cidade, só se falava nele e nos ‘artistas’ que saíam na capa da [revista] ‘O Cruzeiro’”, lembra.
O filme é uma comédia romântica “água com açúcar” e conta a história de uma mulher infeliz no casamento que encontra um amor tropical.
Dois fatores trouxeram a produção para Jacarezinho segundo o advogado e historiador Celso Rossi, espécie de guardião da memória da cidade.
Ele explica que a pujança da indústria do café e a “política de boa vizinhança”. Esta foi uma ação do governo americano, após a Segunda Guerra, para estreitar relações e aumentar a influência em países da América Latina.
No caso brasileiro isso se deu, principalmente, com investimentos em música e cinema.
Decano do teatro jacarezinhense e coordenador do Conjunto Amadores do Teatro, o ator e diretor Geraldo Silva, hoje com 88 anos, foi a ponte entre a produção do filme e a cidade. “Extras, atores, figurinos... Tudo que eles precisavam pediam para mim e eu saia para arrumar”, lembra.
A sequência mais marcante do filme, uma festa junina, teve participação decisiva de Silva. “Foi minha a sugestão de incluir na cena uma dança de quadrilha. Para conseguir todos os figurantes, saí com um megafone de carro pela cidade chamando o pessoal.”
Silva conta que usou todo o cachê que a produção pagou por seus serviços para a construção do Cine Teatro Iguaçu. “Uma parte considerável do teatro foi financiada pelo filme. Para a cidade, foi um ganho inestimável, o teatro é um dos nossos orgulhos”, diz.
Em 2014, para comemorar os 50 anos da produção, o filme foi relançado em DVD nos Estados Unidos. Quando soube da notícia, o secretário de turismo de Jacarezinho, Homero Pavan Filho, escreveu para os produtores do filme que enviaram cinco cópias – elas estão hoje disponíveis nas bibliotecas da cidade.
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A atriz Rhonda Fleming num intervalo das filmagens em Jacarezinho. |
Ver os artistas, ainda que de longe e por pouco tempo, bastava
Eu e meus irmãos acompanhamos a movimentação da trupe hollywoodiana em Jacarezinho na Lanchonete do Zizinho, na Rua Paraná, bem na frente da minha casa, onde a equipe fazia as refeições.
A produção de “Pão de Açúcar” parou a cidade, só se falava no filme e nos “artistas” que saíam na capa da revista “O Cruzeiro”.
Eu me lembro de uns carros “diferentes” sem capota que paravam e deles desciam mulheres com chapéu, óculos escuros, cheias de pose, acompanhadas de sujeitos que deviam ser atores ou da equipe técnica.
Toda a vizinhança saía imediatamente à calçada ou às janelas para ver os artistas do filme. E eles davam um tchauzinho e pronto.
Não tinha essa coisa de tietar, e foi muito antes da era das selfies.
A gente se contentava em vê-los, ainda que fosse por pouco tempo – e de longe.
Reprodução/Arquivo pessoal de Celso Rossi
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Ingresso para a estreia do filme em Jacarezinho: “Com participação de Gente Nossa”. |