10 de julho de 2014

Luiz de Matos - 1924 * 2014

Faleceu ontem em Campo Mourão, dia 9, o pioneiro Luiz de Matos, pai do Toninho e do Bernardo. Com 89 anos, ele sofreu complicações respiratórias após se submeter a uma cirurgia para a implantação de uma prótese no fêmur esquerdo. O sepultamento acontece logo mais, às 17h, no Cemitério São Judas Tadeu. 

Lembro dele, desde sempre, cuidando da distribuição do principal jornal que chegava em nossa cidade nos anos 1970, a Folha de Londrina, e participando das principais cerimônias da igreja católica. 

Abaixo, reproduzo matéria de 2012 da Tribuna do Interior, de autoria de Clodoaldo Bonete, que conta um pouco da história desse simpático imigrante português que ajudou, e muito, na construção de nossa cidade. 

De Portugal para uma nova "descoberta" do Brasil


Luiz Matos e a esposa Maria Luzia 
completaram ontem 62 anos de casados
Se a história do Brasil nos conta que o país foi descoberto meio que por acaso por Pedro Álvares Cabral, em 1500, a chegada do português Luiz de Matos, em Campo Mourão também não foi muito diferente. Hoje, com 87 anos de idade, ele recorda exatamente o dia em que saiu de Portugal, com destino a Maringá (onde tinha parentes), numa viagem que duraria onze dias de navio. Nem imaginava a existência de Campo Mourão, que assim como a “Cidade Canção”, estava no quinto ano de existência. “Saí de Portugal no dia 18 de abril de 1952, em um navio lotado de gente. Desci em Santos e cheguei a Maringá bem no dia que a cidade completava cinco anos (10 de maio). Vim trabalhar de empregado em um armazém, com um cunhado, e um ano depois vim para Campo Mourão. Nunca tinha ouvido falar na cidade”, diz Matos.

Em Campo Mourão, Matos foi mandado para cuidar de um outro armazém. Segundo ele, o cunhado com quem trabalhava em Maringá era muito conhecido do gerente do estabelecimento e, ao decidir expandir o negócio para Campo Mourão, decidiram que era ele quem deveria comandar o novo empreendimento.

O ano era 1953, quando pisou em solo mourãoense pela primeira vez. Ele acredita ser o primeiro português a chegar por aqui. “Vim com a esposa e o meu filho Bernardo, que chegou de Portugal com dois anos de idade. O nome do armazém era Casa Portuguesa, que ficava instalada onde hoje atende a Farmácia Catedral. Também já passamos a atender com a Padaria Predileta, que oferecia o melhor pão da cidade. Com o tempo comprei o estoque e aluguei o ponto”, conta ele, que não se esquece de lembrar da companhia constante da esposa, Maria Luzia de Matos, 86 anos. “Hoje ela encontra-se doente, mas já me ajudou muito.” Ontem o casal completou 62 anos de casados e em Campo Mourão tiveram mais um filho: o jornalista Antonio Luiz de Matos.

Vida dura em Portugal
A vinda para o Brasil foi um meio encontrado por Matos em buscar uma vida melhor para sua esposa e o pequeno filho Bernardo. Em Portugal, ele conta que nasceu em uma pequena aldeia, formada por aproximadamente 20 casas, no estado de Beira Baixa, município de Maxial. Filho de Fermino e Nazaré, via os pais trabalharem duro na roça para manter o sustento da família.

“Eu tinha mais um irmão e uma irmã e a vida era muito dura, porque era um pedacinho pequeno de terra, onde a gente dividia em horta e a moradia. Na época cheguei a ser pastor de cabras e ovelhas e trabalhava muito na enxada também. Fui servir o Exército, aos 18 anos e quando voltei passei a me dedicar a carpintaria (pedreiro). Ajudei a construir uma grande barragem, como a da Usina de Itaipu e quando terminou o serviço quiseram me mandar para outro lugar, muito longe. Não aceitei e decidi me mudar para o Brasil. Ganhava bem, mas o serviço havia acabado na região”, recorda.

Luiz, com a familia (abaixados), e outros parentes 
Após a curta passagem por Maringá, Campo Mourão se tornou definitivamente o porto seguro da família Matos. Já mais tranquilo financeiramente com a Casa Portuguesa e a padaria, ele passou a investir em terrenos e imóveis. “Comprei o terreno onde ainda moro até hoje (escada do apartamento desce direto na Banca do Jonas), no centro da cidade. Também comprei a esquina onde hoje fica a Jorrovi e a esquina ao lado do Loyd Hotel. Depois troquei aquela esquina por um outro imóvel com uma casa (onde atualmente fica o edifício Vitória Régia). Posteriormente, entreguei o terreno para a construção do prédio e em troca, fiquei com dois apartamentos. Hoje posso dizer que estou muito feliz porque não pago aluguel para ninguém e os dois apartamentos dei para meus dois filhos”, orgulha-se. Além desses investimentos, ele diz ter adquirido pelo menos mais três terrenos na cidade.

De Portugal, hoje não resta nem mesmo saudades. O novo ‘português mourãoense’ nunca mais voltou para sua terra natal. “Foi uma viagem muita boa de navio, mas nunca mais voltei. Hoje nem teria motivo. Não conheço mais nada no país, por isso nem tenho saudades.” Já sobre Campo Mourão, Matos tem muito o que contar, afinal acompanhou o crescimento da cidade. “Quando cheguei no Brasil, tanto Campo Mourão quanto Maringá eram puro mato. Até para ir daqui a Maringá era difícil, pois não tinha estrada. Precisava usar balsa para atravessar o rio. Quantas vezes fiquei mais de seis horas esperando a balsa chegar”, recorda.

A falta de estrutura na cidade também traz recordações nada agradáveis. “Campo Mourão era muito atrasada, tudo era difícil pela falta de estrutura. Muitas vezes a gente não encontrava nem um pé de alface para comprar, pois não havia quitanda. Hoje a cidade tem de tudo. O que se encontra em São Paulo, tem também por aqui. A cidade se desenvolveu muito”, compara. Logo após fixar suas raízes em Campo Mourão, Luiz providenciou a vinda tanto de seus pais, quanto de seus sogros para a cidade, não deixando nenhum descendente em Portugal.

Religioso, virou voluntário na igreja
Altar na sacada de apartamento, durante procissão
A saga de Luiz de Matos ainda teve outros capítulos interessantes em Campo Mourão. Muito religioso, desde que chegou na cidade, começou a participar ativamente das missas na antiga igreja de madeira, transformada mais tarde na Catedral São José. Dessa forma tornou-se amigo dos padres e quando menos percebeu já era o responsável pela abertura da igreja, diariamente no horário das missas. Muito responsável, ele lembra que chegava às 6 horas para abrir e preparar o templo para a missa das 7 horas. “No final da tarde eu voltava de novo para abrir a igreja para a missa das 7 da noite. Nunca recebi salário, fazia porque gostava mesmo”, diz ele.

O envolvimento cada vez mais responsável com a igreja, rapidamente levou Luiz a assumir uma nova missão religiosa: passou a fazer um programa de rádio. “Era o programa Oração Matinal, às 6 da manhã e com duração de 15 minutos. Mesmo assim continuava abrindo a igreja. Só parei quando minha mulher começou a ficar doente e eu já não podia acompanhar muito a igreja. Aí o Paulo (que permanece até hoje na Catedral) assumiu. Ainda tenho alguns programas gravados. Até hoje encontro pessoas que dizem lembrar do meu programa”, revela. Até os dias de hoje, Luiz não perde os programas religiosos na rádio. “Ligo todo dia no programa do padre Reginaldo (Manzotti). Gosto muito e acompanho na Bíblia as leituras, mesmo não conseguindo enxergar mais direito”, afirma.

Banca de jornais
Sempre batalhador, Luiz gostava de desafios. E foi assim que ele montou uma banca de jornais e se tornou representante do jornal Folha de São Paulo, por 16 anos. Nem imaginava que por meio desse trabalho ia despertar o interesse do filho mais novo, Antonio, para o jornalismo. “Ele ia na banca e gostava de ler revistas e os jornais. Um dia me perguntou se o jornal publicaria uma matéria sua. Disse que poderia mandar, pois se não fosse aprovado o máximo que fariam era jogar no lixo. Desde então ele foi mandando e o jornal passou a publicar, inclusive algumas na íntegra”, admirou-se.

Animado, o filho já prestou dois vestibulares, em Londrina e no Rio de Janeiro. Foi aprovado nos dois e escolheu o Rio para fazer a faculdade, na PUC. “Depois de formado ele voltou e trabalhou muito tempo na Folha de Londrina. O outro filho, o Bernardo é professor”, orgulha-se o pai, que também aproveitava para vender assinaturas da Folha de São Paulo: “Cheguei a conseguir 185 assinaturas”, afirma. 

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